Parca em palavras, aquela mulher folheia todos os dias de manhã ali no café as revistas que poisam em cima das mesas. Ás vezes é o jornal do dia anterior que lê com muita atenção, agora sei que lê com dificuldade e bem devagar, que até nem gosta muito de ler e não percebe o que lá está escrito. Chama-se Maria, não sei se é viúva mas é mãe e avó. Os netos já são homens e os filhos andam na vida deles e não os quer apoquentar, nem afligir.
Vive sozinha com os seus pensamentos e medos e de todos os irmãos diz que é a mais fraca da cabeça. Hoje, sem pedir licença sentou-se ao nosso lado na nossa mesa e nas mãos trazia a revista Sábado, do Jornal de Notícias. Um artigo sobre o cancro e os alimentos recomendados no combate à doença. E como já se tinha apercebido que eu gostava de ler, reconheceu em mim aquela que lhe podia explicar as palavras que compunham o artigo. E eu li como leio aos meus filhos. Devagar, em voz alta, de forma pausada e com todo o ênfase que cada frase merece, respeitando sempre os pontos de exclamação, as virgulas e os pontos finais. De frase em frase esmiuçámos o sentido das palavras e as fotografias do artigo auxiliavam o meu raciocínio.
Só a conheço dali do café, sempre sozinha e calada, de cabeça baixa e olhos postos nas páginas das revistas. Todos os dias é assim, ou quase sempre assim. Naquelas folhas de papel minora a solidão dos dias e das noites, mas hoje tomou coragem e sentou-se ao nosso lado e com os olhos embargados perguntou-me enquanto sorria se eu tinha força de viver, é que ela não, diz que vai andando até não poder mais, enquanto enxugava os olhos escondidos por detrás dos óculos.
. Caminhos
. Insónias
. Sunset
. Taxa de álcool no sangue!...