Sexta-feira, 16 de Março de 2012
1.
Gosto das cadernetas do aluno como um instrumento de comunicação entre a escola e os pais. Como uma forma de dizer às crianças que nada do que deve ser do conhecimento da família passa à margem da sua atenção e deixa de ser sufragado por ela. E servindo para recordar à escola que os pais delegam, com respeito, responsabilidades educativas ao cuidado da sabedoria dos professores. Já me custa que, vezes demais, a caderneta do aluno seja um muro de lamentações ou um rol de queixinhas. De parte a parte. Como se pais e professores, em vez de se educarem uns aos outros, comunicando os gestos de forma clara e expedita, fossem de lamento em lamento. E, mais do que reconhecerem dificuldades ou trocarem fórmulas educativas de sucesso, encontrassem na caderneta um libelo acusatório onde, quem redige, se excluiu de quaisquer responsabilidades pelas situações criadas por uma criança. Atribuir culpas sem reconhecer responsabilidades é configurar a caderneta do aluno como um tablóide sem função informativa e transformar uma criança num carteiro de queixinhas. As queixinhas nunca são um bom exemplo de sensatez para a educação de ninguém. E, embora haja quem as acarinhe e, até, estimule, são mais bullying do que pode parecer.
Ora, repete-se, muitas vezes, esta vertiginosa tentação para a queixinha da parte de todos os agentes educativos. Como se, em vez dum envolvimento conjunto e responsável, na procura de soluções inovadoras para a que a escola se torne num lugar melhor e mais bonito, todos parecessem mais ou menos dominados pelas experiências que terão tido na sua relação com ela. Afinal, quando os pais se insurgem, em surdina, contra alguns professores, ou depreciam (ao jantar) as respectivas qualidades, estão a educar os filhos para a sabedoria ou estarão a vingar-se, com anos de atraso, da escola que os maltratou e em que cresceram? Afinal, quando os professores esticam o dedo e, entre-dentes, acusam os pais, por tudo e por nada, estão a querer educar as crianças ou estarão a reconhecer neles muitas das omissões que, hoje, reconhecem nos seus? Afinal, para que serve a escola? Se a escola não serve para educar, para que serve a escola? Se a escola não serve para ajudar a pensar, para que serve a escola? Se a escola acarinha o repetir e castiga o recriar, para que serve a escola?
2.
Diante dum erro, ou o escutamos, e nos tornamos inteligentes, ou o iludimos, e ficamos estúpidos. Somos, portanto, sempre parte do problema e parte da solução. Constatar um problema e assumirmo-nos estranhos a ele só acontece quando o problema somos nós. Será assim com a escola como connosco. Mas, então, a educação deve tornar-nos todos, em relação a ela, parte do problema e parte da solução. Admito poder estar enganado, mas a escuta é o início da tolerância e a humildade o princípio da sabedoria. E, em relação à escola - de quem governa, a muitos pais e a alguns professores - tem faltado escuta e humildade.
Uma escola que considera o estudo acompanhado ou a área de projecto como luxo está, perigosamente, a deixar de sê-lo. Como deixa de o ser quando penaliza os «cabeças no ar» e incentiva os «cabeças no chão». Como deixa de o ser quando castiga os faladores (que é quem mais ela devia acarinhar). Como deixa de o ser quando cria mestres aos 23 e, antes de começarem a viver, espera que sejam ídolos, antes dos 30. Como deixa de o ser quando não percebe que as crianças que procuram, compulsivamente, o sucesso ou são deprimidas ou vivem assustadas. Como deixa de o ser quando não percebe que a contrapartida da sabedoria é o mistério (ou, se preferirem, o encantamento para com o invisível).
Por "Eduardo Sá"
na revista Pais e filhos
De Cristina a 17 de Março de 2012 às 12:35
Obrigada pelo texto!
Há professores na escola do meu filho a precisar de o ler, sem dúvida, assim como alguns pais...
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