Os últimos exames, as análises, as longas horas de espera, o desespero e a ansiedade.
De uma forma ou de outra, todos os que ali estavam padeciam ou já padeceram da mesma doença e a partilha de experiencias foi uma constante, mas nem sempre abonatória, principalmente, para quem ainda não passou pela experiencia da operação, sabendo que esse será o próximo passo.
Muito raramente encontramos um doente sozinho, isso aconteceu na ultima consulta e hoje voltou a acontecer, mas parece-me ser uma excepção á regra, que praticamente todos os doentes, se fazem acompanhar por um familiar e curiosamente, não são maridos nem esposas, são filhos.
Esta constatação felizmente contrasta com muitas das notícias, que nos entram pela casa a dentro através da televisão, relativamente à ausência de cuidados básicos e negligencia para com os mais velhos e idosos.
Hoje conhecemos o anestesista, um médico bastante novo de uma simplicidade e educação impar, muito humano e de uma delicadeza tamanha, que a minha mãe não conseguiu sequer conter as lágrimas e chorou imenso, enquanto mantiveram um contacto ocular permanente.
Não houve desvios de atenção, de olhares, num mundo à parte, num pequeno consultório, só ela ali importava, mais nenhum doente e nada o demoveu apesar das constantes interrupções.
Enquanto a fixava, sorria e nunca a interrompeu.
Quando chegou a sua vez, falou de forma pausada e respondeu a todas as dívidas e falou-lhe ao coração.
Disse-lhe que ela também fazia parte da equipa e como eles, médicos, também ela, no lugar de paciente, deveria partilhar do mesmo espírito.
Ter confiança e acima de tudo uma postura optimista perante todo este cenário.
Os médicos contam com ela, disse-lhe e continuou a chorar compulsivamente enquanto pedia imensas desculpas pelo comportamento que estava a ter.
O medo é natural e ficaria preocupado se assim não fosse e naquele momento, depois daquelas palavras, aquele homem, talvez na pele de filho e não de médico voltou a sorrir, com os olhos embargados e a voz trémula.
Ele deixou que ela se recompusesse, que enxugasse as lágrimas e só depois de esboçar um sorriso é que se despediu de nós.
Eu sei que naquele momento, ela saiu daquela sala, mais leve e confiante.
Depois de tudo estar a acontecer de uma forma acelerada, tipo bola de neve, eis que a ultima consulta foi altamente esclarecedora e explicativa sobre a forma de tratamento de doenças do coração, nomeadamente a estenose aórtica grave.
A cirurgia é a solução, a resolução imprescindível, através da substituição da válvula doente, por uma válvula mecânica, desenhada expressamente, para durar toda uma vida.
No entanto, para prevenir coágulos sanguíneos, que podem causar complicações, fruto do material de que a válvula mecânica é feita, o paciente não poderá prescindir de um anti-coagulante oral, perpetuamente.
Existem outras válvulas, as válvulas de tecido, que até podem ser de porco, que em contrapartida têm uma durabilidade limitada (de 5 a 20 anos) mas não requerem terapias anti-coagulantes.
Ainda assim, esta não é a solução adequada para pessoas tão jovens e refiro-me assim à idade de 60 anos, que iria obrigar, a nova cirurgia a médio ou longo prazo, isto é, dentro de uns 10 anos sensivelmente.
Não é fácil aceitar um quadro clínico desta índole, quando se trata de um paciente jovem, ao que existem vários motivos para que o mesmo se tivesse desenvolvido desta forma e tivesse agora este desfecho.
Eu própria fiquei admirada com uma das causas possíveis, a febre reumática.
Em criança, esta doença, causada por uma bactéria específica, originada num simples quadro de amigdalite, desencadeia anos mais tarde, já na fase adulta, este tipo de patologia.
Não existem certezas sobre nada, mas este é um facto que considerei muito interessante, tanto mais que tenho dois filhos pequenos e nada deve ser negligenciado, nestas idades mais tenras.
Não temos que ir a correr ao médico, sempre que eles tossem, ou têm febre, ou se constipam, mas estarmos atentos a todos os sinais, é sinónimo de zelo e preocupação pelas nossas crias.
Claro que há 50 anos atrás, as classes mais desfavorecidas, com menos recursos financeiros e um nível diferente de conhecimentos, sofrerão hoje as consequências, mas sabemos que nos tempos modernos ainda há muito boa gente completamente desconstruída e totalmente despreocupada com questões tão banais como estas, as amigdalites e por aí adiante.
Estejamos atentos, por isso!
Ultimamente, apesar do profissionalismo, poucos sorrisos e simpatia tenho recebido dos médicos com quem tenho falado, de poucas palavras e distantes.
Hoje não foi assim.
Um médico extremamente atencioso, conversador, que nos olhou nos
olhos enquanto conversou connosco.É que apesar de tudo, do que vem a seguir, do que já se passou, é importante que cada paciente não se sinta mais um, num rol imenso de doentes a atender, durante as horas das consultas.
Não faz desaparecer a doença, não cura, mas um sorriso e a empatia que se cria faz milagres e transmite-nos um conforto que nos cobre de paz e de fé.
No tempo de espera, que é muito, conhecemos pessoas com problemas idênticos aos nossos, ou não, algumas delas com uma necessidade de partilha tão grande, principalmente, quando se encontram sozinhas, sem qualquer familiar por perto, que os apoie e os acompanhe.
Isso aconteceu com um senhor de Lamego, sozinho,
l o n g e d e c a s a , c a n s a d o d a l o n g a v i a g e m q u e v e z a t é ali c h e g a r, muito ansioso e apavorado, com um medo atroz das palavras do médico na sequencia de mais um exame que fez no início deste mês.Dificilmente me irei esquecer dele e o mais provável é voltar a cruzar-me com ele, quem sabe numa enfermaria, no corredor do hospital, numa outra sala de espera, ou tão simplesmente porque tem a idade da minha mãe e faz anos no dia de aniversário do meu pai, dia 14 de Setembro.
Ele há coincidências, não?
Não vou precisar disto, ainda que a minha cabeça não esteja a passar pelos melhores dias.
Há coisas que interiorizamos religiosamente e não preciso de me valer de qualquer apontamento. Não para isto!
O dia, a hora, o nome do médico, não esqueço, de certeza.
Resta-nos agora contar os dias e aguardar pela tão desejada consulta, como se fosse a melhor coisa que nos podesse acontecer.
E agora estou a ser ingrata que afinal, é o que mais desejo, mas é-me permitido ter medo, não?
Até porque temos que lhe dar força, não mostrar vulnerabilidade da nossa parte, mas nada disto retira o peso do fardo que carregamos com tanta anciedade e angústia.
O confronto
com a dura realidade, d e i x a - m e c h e i a d e m e d o ,
Inquietação.
Coração apertado, o meu, muito fragilizado, o dela.
Demasiada ansiedade.
E é preciso ter sorte, até com os médicos que nos examinam, costumamos dizer e habituamo-nos a ouvir!
Hoje, gostava que aquele médico se tivesse enganado. Vá, exagerado, no diagnóstico que fez à minha mãe.
Que a tal operação é completamente desnecessária, que até bastam uns comprimidos, ou aquele tal sistema inovador resolve, ou descanso e logo, logo, o pesadelo faz parte do passado.
Receio que não é isto que vá acontecer, que se calhar, o médico foi muito cauteloso, actuou de forma preventiva, como deve ser na saúde, encaminhando-a para um processo de exames, acompanhamento e vigilância mais apertados.
Hoje, novos médicos, outro exame e nova avaliação.
Temo, por ela, mas tenho fé, claro que sim!
. ...