Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…
Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
(Florbela Espanca)
Gosto de as observar. Passo por elas e fico ali especada. Presa ao chão em pura contemplação, porque gosto de as ver crescer. E até florirem percorrem um longo caminho. E convivem com o vento, com a seca, com a chuva, com o calor, com a geada e com o sol.
Resistem e crescem robustas e magnificas e o que não as quebra, torna-as mais fortes. Lindas.
A semente foi lançada e algumas semanas depois brotou da terra e foi crescendo.
E todos os dias dava um saltinho e o tronco foi-se tornando cada vez mais grosso e as folhas maiores e vigorosas.
O ritual foi-se repetindo, um dia atrás do outro.
Da janela da cozinha víamos o sol todas as manhas.
Eis que se mostrou ao mundo, pintada de amarelo.
Hoje é uma linda flor!
É alegria que sinto, naqueles momentos de contemplação.
As flores da beira da estrada, no alto do monte ou naquele jardim do outro lado da rua.
A diferença entre a papoila e o crisântemo é estreita, que me alimentam a alma da mesma forma.
Uma flor é mais do que sinónimo de alegria, é a própria alegria. Um sentimento que me embala e me preenche.
É o que me transmitem, quando as contemplo, quando sinto nas mãos o toque aveludado das suas pétalas, das mais diversas cores.
Poderia referir-me a elas como alegrias coloridas.
Uma jarra enfeitada de alegria, o meu jardim adornado de alegrias de muitas cores e feitios e aquele vaso debaixo do alpendre que parece sorrir de tantas alegrias que a terra lhe dá.
Até as estações nos trazem alegrias que são colhidas o ano inteiro!
Alegrias variadas, vindas de tantos lados, de todos os cantos do mundo, só para nos fazer sorrir.
Alegrias que nos transformam e deleitam de prazer, como um raio de sol no inverno e uma chuva de verão.
E a alegria é uma flor que combina com abraços e beijos, que se molda em tantos momentos solenes.
Um jardim em flor é uma alegria que enfeita a nossa vida, capaz de nos arrancar um sorriso aberto ou despertar sensações.
Quando penso num jeito de alegrar a minha mesa, sei que a mais singela flor contribui para a alegria do meu lar.
E tanto faz que sejam rosas, orquídeas, malmequeres ou girassóis...
São alegrias!
Depois do Inverno, morte figurada,
A primavera, uma assunção de flores.
A vida
Renascida
E celebrada
Num festival de pétalas e cores.
Miguel Torga
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
"Alberto Caeiro" 1914
Quero uma vida simples e pacata
Amanhã não sei se ainda estarei na estrada
Para quê o luxo e a ambição ?
Entopem as veias do coração
são filhos rebeldes da ilusão
Quero da vida o ar de montanha
flores do campo para cheirar
o sol poente espelhado no olhar
Da vida eu busco o gesto brando
o olhar contemplativo e manso
o rio que corre sereno
a levar meus cuidados em leito ameno
* Úrsula Avner *
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. O meu olhar é nítido como...