Há muito que deixei aquela praia
De grandes areais e grandes vagas
Mas sou eu ainda quem na brisa respira
E é por mim que espera cintilando a maré vasa
Há muito...
Sofia de Mello Bryner
Qualquer profissão merece o meu respeito, qualquer uma, mas há aquelas profissões que por razões diversas, ou porque são mais arriscadas, ou de cariz humanitário, ou perigosas, duras, merecem um respeito de dimensões superiores, confesso.
A pesca é uma delas.
O meu pai é pescador, é um homem muito trabalhador e não conheço, com toda a franqueza, nenhum que se lhe compare.
Um homem reservado, de poucas falas, muito observador, simpático e educado.
Quando sente que o ouvem, transforma-se e torna-se num contador de histórias na primeira pessoa.
Não sou suspeita, porque quem o conhece sabe que trabalha de sol a sol, com paixão e devoção.
A pesca é uma herança, que passou de geração para geração e claro que o meu pai seguiu as pisadas do meu avô Luís e onde está, quando o vê, orgulha-se imensamente do filho, eu sei.
Amar o mar é amar a própria vida e ele ama o mar.
Um homem extraordinário e lutador de que me orgulho muito.
A pele áspera das mãos calejadas pelas redes, a face queimada do sol e gretada pelo vento frio.
E o mar que dá também tira.
O mar que põe o pão na mesa, também mata e destrói.
“A Flor da Aguda”, como foi baptizado e como é conhecido, hoje apoquentou a alma do meu pai e depois de ter sido engolido pelas águas, conseguiu ser resgatado, puxado pelo guincho e a ajuda preciosa dos outros pescadores.
O mar que dá o sustento também dá a fome, também atraiçoa.
Depois de ancorado na areia, não tiveram mãos a medir, para devolverem ao mar a água que o fez afundar-se.
De baldes na mão, foram tirando toda a água que conseguiam no menor espaço de tempo possível.
Todos ajudaram e numa altura destas, todos se unem e o pescador não fica só.
Completamente encharcados numa noite tão fria como esta.
O prejuízo há-de ser grande, que se perderam as redes, o alador não funciona assim como um dos motores.
Outros utensílios e apetrechos ficaram perdidos no fundo do mar.
O mar que dá também tira e hoje tirou-nos muito.
Dias virão, sem faina, sem ganha pão, enquanto tudo não estiver operacional.
O camarão vai ter que esperar.
O meu pai está bem, que não vive de braços cruzados e só há-de descansar quando o barco regressar ao mar.
Será quando Deus quiser.